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Pesquisa - 15 jul 2021

Cientistas criam “minicérebros” para analisar diferenças entre humanos modernos e neandertais

Além da variabilidade genética, também foram confirmadas alterações no formato celular, na divisão celular, na atividade elétrica e sinapse entre as células

Crédito: Band TV

Pesquisadores de diversas instituições do mundo, incluindo o biólogo brasileiro Dr. Alysson R. Muotri, professor da faculdade de Medicina e diretor do Programa de Células-Tronco da Universidade da Califórnia (EUA), e Dr. Roberto Herai, professor da Escola de Medicina da PUCPR, uniram-se para investigar de forma mais profunda as diferenças genômicas entre o Homo sapiens e o homem de Neandertal, espécie ancestral humana com quem o homem moderno conviveu. Para tanto, após a decodificação do material genético neandertal a partir de fósseis, criaram em laboratório organoides cerebrais, ou “minicérebros”, que tornaram possível o trabalho.

“Segundo diversos estudos científicos, os neandertais e nossos ancestrais humanos coexistiram há cerca de 60 mil anos. Evidências genéticas mostram também que eles acabaram extintos logo após contato com a nossa espécie, mas sem uma causa clara, pois todos os dados existentes são de fósseis e sítios arqueológicos. Ainda, estudos prévios mostram que os neandertais apresentavam pensamento abstrato e simbólico, além do  uso de ferramentas e práticas artísticas, sem provas definitivas, porém”, comenta Herai.

Genes diferentes

Utilizando algoritmos de bioinformática e genômica comparativa, os pesquisadores conseguiram realizar uma análise genômica de grandes proporções e constataram que 61 genes apresentavam alterações quando se comparavam os humanos modernos com seus “primos” extintos.

Dentre os genes encontrados, um deles chamou muito a atenção do grupo: o gene NOVA1. Trata-se de um regulador mestre de outros genes que também determinam a variabilidade neuronal no cérebro. Assim, falhas em seu funcionamento podem ocasionar autismo, esquizofrenia e outras condições neurológicas.

Devido à importância do gene NOVA1, as mutações encontradas nos neandertais foram analisadas e selecionadas. Posteriormente, utilizando a técnica CRISPR, os pesquisadores introduziram as mutações no genoma de células-tronco de humanos modernos. Essas células-tronco humanas neandertalizadas foram investigadas em laboratório para a criação de minicérebros neandertalizados que foram comparados com minicérebros de humanos modernos.

Esses minicérebros, também conhecidos como organóides cerebrais, são agrupamentos de células do cérebro formados a partir de células-tronco. Os minicérebros têm sido amplamente utilizados por diversos estudos para a modelagem de doenças do cérebro, compreensão das fases de formação do cérebro e para o teste de drogas personalizadas.

Após avaliação dos minicérebros neandertalizados, os pesquisadores observaram que se comportavam de maneira diferente dos minicérebros de humanos modernos. Além do formato celular diferente, foram observadas diferenças na divisão celular, atividade elétrica e sinapse entre as células. Essas diferenças, diz Herai, podem ter relação com a forma com que os humanos modernos evoluíram cognitivamente, diferenciando-os dos neandertais.

“Ainda, o que faz dos resultados mais surpreendente é o fato de que, ao comparar a expressão de genes dos minicérebros neandertalizados com a de humanos modernos, foram detectadas alterações significativas. Essas diferenças, junto com as alterações celulares e moleculares encontradas, podem ser a causa da atividade neuronal que foi alterada nos minicérebros com as variantes genéticas ancestrais”, pontua o pesquisador da PUCPR.

De acordo com Herai, é possível que essas diferenças tenham relação direta com a atividade cerebral, incluindo capacidade cognitiva e de aprendizado, que torna os humanos modernos diferentes dos neandertais. Saber exatamente quais seriam essas diferenças, contudo, ainda é um mistério.

“O estudo teve foco em apenas um gene e o objetivo é expandi-lo para que outros genes neandertais sejam também incorporados nas células de humanos modernos. Assim, poderemos compreender ainda melhor o processo evolutivo que nos tornou diferentes cognitivamente de nossos ancestrais”, afirma Muotri.

O trabalho é financiado pela PUCPR e outras agências internacionais. A pesquisa foi publicada na Science, uma das revistas científicas mais respeitadas do mundo.