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Destaque - 05 ago 2020

30 anos do ECA devem ser comemorados, mas ainda há desafios 

Legislação é considerada revolucionária e já foi reconhecida pela ONU

30 anos eca
Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que é papel de toda a sociedade olhar pelos jovens brasileiros.

Em 2020, o Brasil comemora os 30 anos da Lei 8.069/1990, texto que é mais conhecido como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes no país. A legislação trata dos direitos fundamentais à pessoa em desenvolvimento e traz quais são os órgãos e procedimentos protetivos. Consideradas avançadas, as diretrizes do ECA ganharam, inclusive, reconhecimento junto à Organização das Nações Unidas (ONU).

Promulgado menos de dois anos após o advento da Constituição Federal de 1988, o ECA deixou evidente que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e revogou a polêmica Lei 6.697/1979, também chamada de Novo Código de Menores. A grande diferença do ECA para a lei anterior é que a legislação antiga só trazia disposições sobre como lidar com um conflito que já estivesse instalado, sem preocupação com a prevenção ou com a garantia de direitos inerentes aos jovens, partindo de uma perspectiva meramente punitivista.

Pela atual legislação, as crianças e adolescentes brasileiros têm como principais direitos o acesso à educação, cultura, saúde e alimentação de qualidade, bem como a proibição do trabalho. Além disso, o ECA prevê expressamente que as crianças brasileiras devem brincar, praticar esportes e se divertir. A lei também dispôs que não cabe somente ao Poder Público e às famílias o dever de cuidado com as crianças e adolescentes, mas que também é papel de toda a sociedade olhar pelos jovens brasileiros e reivindicar políticas públicas que deem conta dessa proteção. Nesse sentido, criou instituições como os Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares.

Uma das principais conquistas do ECA nessas três décadas foi a redução de mortalidade infantil, que permitiu a sobrevivência de 827 mil crianças na primeira infância entre 1996 e 2017, de acordo com a Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef)”, diz Jucimeri Silveira, professora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

A professora lembra, porém, que o Brasil é apontado atualmente como um dos países mais desiguais do mundo. Segundo a Unicef, no mesmo período, 191 mil crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos foram vítimas de homicídio no país. “É uma triste realidade de Estado penal para a população mais pobre e que vive em contextos mais desiguais”, complementa.

Desafios

Observa-se, portanto, que ainda há muitos desafios a serem enfrentados, sendo que a realidade demonstra a “necessidade de um Estado Social e de desafios urgentes quanto às responsabilidades dos atores do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes”, diz Silveira.

Em 2019, foram registrados 86,8 mil casos de violações de direitos das crianças e adolescentes por meio do Disque Direitos Humanos, um aumento de 14% em relação aos números de 2018 contabilizados pelo mesmo canal. Entre eles, 11% se referem à violência sexual. Importante dizer, ainda, que muitos casos não chegam a ser notificados – a real situação, portanto, pode ser muito mais grave.

O acesso à educação, ainda mais em tempos de pandemia da Covid-19, quando os estudantes brasileiros precisaram se adaptar às aulas remotas, também merece uma atenção maior. De acordo com a fundação Abrinq, em 2018 havia 1,3 milhão de crianças e adolescentes fora da escola.

O ECA na pandemia

A pandemia trouxe situações novas e excepcionais, e a atual situação pela qual o país passa expõe, ainda mais, as desigualdades brasileiras, o que afeta diretamente as crianças e adolescentes. Os instrumentos de proteção, entretanto, permanecem os mesmos já definidos legalmente pelo ECA.

“Daí a importância de seguranças sociais como renda, para que a população possa ter acesso a um conjunto de serviços e benefícios. O contexto de pandemia tem exigido de nós reflexões sobre que padrão de sociabilidade e proteção queremos para nossas crianças e adolescentes e para a população brasileira em geral. Afinal, a Covid-19 tem afetado toda a humanidade, mas especialmente aqueles e aquelas que vivem em condição mais desigual”, destaca Silveira.

Nesses 30 anos de ECA, o horizonte de direitos materializados e de vida digna para crianças e adolescentes permanece orientando compromissos e ações coletivas. A legislação já apresenta responsabilidades e direitos fundamentais. Resta efetivá-los e colocá-los, plenamente, em prática, agora e no pós-pandemia.