Câmpus Maringá

Câmpus Maringá - 12 nov 2020

Estudo com coautoria de professor da PUCPR é citado em decisão judicial do STJ

Pesquisa sobre psicologia do testemunho questiona a aplicação do reconhecimento por fotografia na prática jurídica brasileira

gustavo noronha; superior tribunal de justiça; direito; psicologia do testemunho

Em outubro, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu um homem que havia sido condenado exclusivamente pelo reconhecimento por fotografia pelo roubo a uma churrascaria de Tubarão (SC). A Defensoria Pública de Santa Catarina citou no Habeas Corpus o livro “Falsas Memórias e Sistema Penal”, que é produto da tese de doutorado do professor Gustavo Noronha, do curso de Direito da PUCPR Maringá.

A pesquisa citada foi desenvolvida em parceria com a PUCRS e Noronha era o coordenador executivo do grupo. O estudo entrevistou mais de 80 profissionais entre juízes, promotores, policiais civis e militares para investigar como é feita a produção de provas testemunhais e de reconhecimento no Brasil. “Tivemos uma série de revelações importantes sobre a forma como há um abismo entre aquilo que a ciência recomenda como prática para obter informações de qualidade em reconhecimentos e entrevistas, e o que é realmente feito em delegacias e fóruns brasileiros”, revela o professor.

Noronha explica que, na prática do reconhecimento, é muito comum o uso do método chamado show up, que consiste em mostrar uma única foto de apenas um suspeito para que seja reconhecido por uma vítima ou testemunha. De acordo com o artigo 226 do Código de Processo Penal, a orientação é que o policial ou juiz apresente fotos de mais de uma pessoa, preferencialmente parecidas entre si, para que o entrevistado aponte uma entre elas.

O que recomenda a psicologia do testemunho?

Existe um ramo inteiro da psicologia dedicado a entender como a memória influencia na qualidade da prova produzida durante um processo de investigação: a chamada psicologia do testemunho. “Esse estudo busca entender como a memória é apreendida, como ela se consolida e como é recuperada, partindo das bases de discussão neurológicas”, explica Noronha. A partir desses conhecimentos, é possível pensar em boas práticas para serem aplicadas na realidade ao fazer entrevistas e reconhecimentos de qualidade.

“É o entrevistado quem tem informação para trazer ao delegado ou juiz. Ele não deve ser interrompido o tempo todo nem responder perguntas fechadas ou repetidas, pois a psicologia do testemunho aponta que essas têm a pior qualidade de resposta”. De acordo com o professor, dependendo da forma como o agente estatal questiona a testemunha, há uma grande chance de acabar implantando falsas memórias ou distorcendo lembranças. “É preciso tomar cuidado com perguntas que insinuem ou induzam a vítima àquilo que o delegado ou juiz pensa e não ao que ela efetivamente viu”.

Após vários estudos na área, o professor conclui que para mudar essas práticas comuns em delegacias e fóruns brasileiros é preciso preparo profissional. “Percebemos uma vontade dos atores judiciais de acertar, mas há pouco treinamento. As academias de polícia passam boa parte do tempo ensinando a usar a força, mas é preciso haver mais contato com a prática de entrevista de testemunhas e vítimas”, avalia.

Repercussão em casos futuros

A decisão do STJ sobre o caso do roubo em Tubarão abre um precedente que pode ser adotado por mais juízes pelo país. “De acordo com essa decisão de um dos órgãos mais importantes do sistema judiciário, não é possível condenar alguém com base apenas em uma fotografia”, analisa Noronha. O artigo 226 do CPP, citado durante o caso pelo ministro Rogério Schietti Cruz, diz respeito a um padrão mínimo de prova a ser observado em casos futuros, para evitar a condenação de inocentes. “É importante chamar atenção para esse problema. Um inocente atrás das grades é algo que não podemos tolerar, e enxergo que a melhor maneira de evitar isso é por meio da ciência”, conclui o professor.